6 de set. de 2009

Na h.

A sola emborrachada da bota de combate esparramou a água da poça. Eram dias chuvosos aqueles, dias sem esperança. A vida perdia, dia a dia, um pouco mais do brilho dourado da fantasia. Tudo era cinza, preto, branco, e chuvoso. Estava apressado.Lord Baxter era um bom anfitrião, mas o horário do convite já havia passado a um certo tempo e ele não queria deixar uma má impressão.

Carros passavam apressados na avenida e as estrelas pouco a pouco venciam as nuvens e se faziam ver no céu escuro. A biblioteca era apenas algumas quadras do metro mas ele ainda tinha que passar na lanchonete. Aniversários são muito inoportunos as vezes, pensou enquanto cumprimentava seus amigos.

Atravessou a porta de entrada, a festa, ao que parecia ainda não tinha começado. Um peso lentamente caiu de suas costas. A mochila de campanha era pesada. Apresentou-se há alguns convidados, reconheceu outros. Todos como o mundo lá fora, cada vez menos brilhantes, cada vez mais velhos. Era triste perceber isso. As mascaras do baile entretanto prometiam. Quem sabe ao esconder-se do mundo não pudessem reencontrar a fagulha fantástica que os fazia acreditar na beleza do mundo.

Pronto, comeram, mas já era tarde. O live começaria as 22, ou era isso que dizia o convite, e agora já eram 23. “Vamos de todo jeito – disse - quem sabe não tem algo de divertido pra fazer lá?Já estamos aqui mesmo.” Atravessaram as portas de vidro e viram as pessoas ainda se organizando. Parece que daria tempo. Ele se livrou de sua mochila e apressou-se em conhecer os narradores, afinal, se eles não fossem legais, a noite seria longa.

As luzes se apagaram, o baile estava para começar. O ambiente escuro evidenciava os brilhos das mascaras, e, em menor proporção, o das pessoas. As velas deixavam o ambiente ideal. Mas havia algo q brilhava desproporcionalmente. Algo como uma aurora que inundava o salão de luz, e foi então, que em um relance, ele a percebeu.

Os personagens foram distribuídos, ainda havia algum tempo para decorar nomes e objetivos. Parada estratégica no banheiro. Agora era a hora, não havia ninguém perto. Aproximou-se sorrateiramente da mesa e atacou os biscoitos, pura gula, acabara de comer. Lembrou-se disso no segundo biscoito e ficou em com um misto de vergonha e preocupação, afinal, como costumava brincar, não era fácil manter o corpinho sexy. Começou então a se afastar da mesa, quando compreendeu que seria mais difícil de sair dali do que parecia, afinal, muito mais do que os biscoitos, os encantos de perto da mesa eram outros, ou melhor, outra, no singular e no feminino.

A luz vinha dela. Mas de onde vinha ela? Apareceu assim, sem maiores explicações, sem mascara, sem idéia de que sua presença ali por si só já mexia com seu corpo inteiro. Em todas as batalhas, diárias ou fictícias nunca tinha ficado assim, com medo de respirar, pois o mais simples respiro poderia sumir com tudo e jogá-lo de novo na escuridão. Talvez não houvessem palavras terrenas para descrever sua pele clara, seus lábios vermelhos, seus olhos... ninguém parecia notá-la, ninguém conversava com ela, todos atrás de suas mascaras, quase como escondidos, o que levou-o a pensar que ela poderia ser um fantasma. Como poderia ser assim, banhada no brilho dourado, se não fosse de outro mundo. Retomou o fôlego e dirigiu, com receio e esperança, o primeiro passo na direção dela.

Ele já há vira antes, e ali estava ela de novo, como o fantasma do natal passado, como um assunto mal resolvido. E talvez fosse mesmo. De uma forma ou de outra, ele não sairia dali tão cedo, não poderia nem se quisesse, era quase magnético, como se não mais pudesse levantar-se daquele banco, afastar-se dela. Era como um veneno, como um ataque cardíaco e era assustador. Teve a impressão de que tudo momentaneamente sumira, de que entrara em uma “existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo conduzia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações!”. Agradeceu mentalmente a “Eça” pela citação. De fato, ela era linda, e... e... estava vindo em sua direção.

Ele olhou para ele. Eram dois, eram um. A vida os tinha colocado no mesmo barco, e agora, empatados, encantavam-se perdidamente pelo mesmo som. Musica clássica para um. O canto da sereia para o outro. O que seria daqui para frente era um mistério, uma batalha irremediavelmente perdida, para qual caminhavam, o pseudo escritor, o pseudo soldado de chumbo, e dali pra frente, bom, dali pra frente, só podemos esperar que tudo tenha dado certo, que tudo dará certo. E esse não é um fim, mas talvez seja um começo.


sem maiores comentarios esse...

2 comentários:

Fantasminha disse...

Soldadinho de Chumbo....

Fantasminha disse...
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