18 de mai. de 2009

Da breviedade da vida

Nós somos feitos de pó, sombras e sonhos. Não é próprio do homem ser eterno, não é próprio do homem ser indestrutível. Será que um dia você vai perceber isso e então entender a minha pressa, o meu exagero, a minha vontade de que o amanha seja hoje e de que cada segundo seja infinito?



O som irritante do telefone o acordou. Perdera a conta de quantos dias começaram assim. Mas esse não seria apenas mais um telefonema, esse não seria apenas mais um dia. A voz entrecortada o chamava para um lugar longe, para um lugar triste. Esse foi o ultimo dia de alguém.

Ainda da cama deu telefonemas, cancelou os planos. Levantou. Vestiu-se. Moveu-se pela casa como se o peso do mundo houvesse despencado sobre suas costas. Abriu o chuveiro de tormentas, banhou-se em saudades, secou-se em recordações. Escolheu, a despeito do céu azul e do calor abafado do dia, calça, camisa, sapato... preto, preto, preto... pretos como a disposição de seu espírito. Muniu-se de coragem e abriu a porta.

O mundo continuava igual. As pessoas apressadas, os carros velozes. O dia seco secou sua boca, rachou seu lábio. Entrou no carro. Todos estavam quietos, pesarosos, como se a própria morte estivesse acomodada no carro. Rompeu o silencio, não porque o agradasse, mas para tirar do fim o pensamento dos mais velhos. Inútil. O carro parecia mais rápido do que ele e, tão logo entrou no carro, tão logo chegou, ou assim lhe pareceu.

O olho ardeu, ao ver o mundo sem a proteção do “insulfilm” do carro. Divisou a distancia alguns parentes nas escadas da casa funerária. Aproximou-se. As lamentações, cada vez mais próximas lhe perturbavam o espírito. Seria ele o único ali que via no falecimento o termo das dores da falecida? Recebeu pêsames, deu pêsames.

O caixão era pequeno, parco. A pessoa que ele conhecia não era a que estava ali. Não, recusava-se a acreditar que aquela casca deformada fora uma vez a pessoa cheia de vida a quem viera prestar seus últimos respeitos. Até os mais fortes choravam, mas ele não derramou uma lágrima. Insensível.

Viu o velho padre recitar as mesmas palavras de um outro funeral qualquer. Viu pessoas que a muito não prestavam a devida atenção a defunta se aglomerarem a sua volta e repetirem as mesmas palavras gastas do padre. Oração velha, oração sebosa, oração impessoal. Achou por um momento que talvez aquele um dia viesse a ser seu fim, cercado de amigos já desconhecidos pelo tempo, tendo sua alma encomendada por qualquer padre, mais por serviço do que por compaixão.

Retirou-se, e ao se retirar percebeu os múltiplos assuntos que se comentavam naquele momento de respeito. Viagens, trabalho, namoro. É, a vida não para, não presta homenagem. Não é do ser humano amargurar-se pela desgraça alheia. Saiu. O sol continuava forte, os carros continuavam velozes, as pessoas continuavam apressadas. Decidiu não acompanhar o funeral até a falecida ser coberta de terra.

Olhou mais uma vez a casca, olhou mais uma vez os parentes. Sentiu um pequeno nó na garganta pois sabia que ainda veria muitos deles nessa posição antes de ser sua vez de atravessar o véu. Ainda assim não chorou. Sentiu, entretanto, cada lágrima daquela sala, cada pessoa que não seria capaz de consolar, cada perda que não seria capaz de repor. Sofreu por isso, sofreu por elas, e por instantes invejou a falecida, que, supunha agora não mais sofrer. Lembrou de tudo o que havia deixado, de tudo o que ainda queria fazer, de tudo que ainda queria conhecer, e então sofreu por si mesmo.



Prefiro acreditar no que não acredito e fingir que existe um céu lá em cima esperando por nós... prefiro fingir que esse não é o fim... prefiro fingir que não estou morrendo nesse exato momento e que ainda tenho muito tempo pra fazer tudo o que quero.
É minha velha... agora é esperar pra ver se a gente vai mesmo se encontrar lá em cima... descanse em paz e, um dia quem sabe, a gente se vê de novo.

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