13 de out. de 2009

O blues é meu...

Dizem que Deus é pai... bom, então eu sou órfão. Ou não, ou pior, meu pai é o blues. Isso, meu pai é o blues. Meu pai é o lamento, minha mãe a dor. E essa família me rasga, me dilacera as carnes, me derrama o sangue desde que nasci. E do meu sangue nasce suas risadas, suas alegrias. Do meu sangue eles se alimentam, e com ele constroem os fios dessa realidade maldita que usam para me cortar.

E talvez eu já tenha nascido miserável, talvez eu já tenha sido derrotado antes do começo do jogo, talvez eu tenha uma alma pequena demais, talvez eu tenha sido abortado... Talvez eu não tenha sido feito pra isso, talvez eu não tenha sido feito pra nada... talvez demais, talvez... eu não fui feito pra nada, eu fui feito errado, errado e vivo, e agora busco piedade, seja dada seja minha própria.
Hoje é mais um dia de tarde cinza. Eu fico em casa, vejo TV, bebo refrigerante. Estrago a lata entre meus dedos. Uma chuva fina cai lá fora. Um temporal aqui dentro. E esse temporal molha tudo, explode a TV, escorre pela mesa, alaga o chão, e não vaza pelo ralo. Ele molha o pão e a faca em cima da pia. Tudo igual. Meus livros se desmancham sob o temporal... minha vontade também. Sento no sofá encharcado, tomo o temporal, sinto cada gota descendo por dentro e por fora, sinto meu corpo envelhecer, sinto que meus mal-tratos começa a aparecer, sinto a pele ressecar. Abro a boca pra gritar, mas mais água entra. Sinto a garganta raspando, dolorida, os olhos inchados. Tudo igual.

O temporal tem gosto de vodka. Vou até a vitrola, lembrança de gente que eu nunca conheci. Dou corda e coloco um disco do B.B. King. O som invade o ambiente, arde nos ouvidos, diminui o ritmo do coração. O som corta, mas deixa a pele intacta. A alma sangra. Pego uma caixa de fósforos. Sim, sou eu, eu que começo o incêndio. Vejo as chamas subindo temporal acima, queimando o teto, destruindo tudo... O vermelho do fogo é bonito mas não esquenta. A pele não sente, a alma não sente. Ilusão.

Quando o fogo termina, tudo está igual, sempre igual... e a tarde continua cinza lá fora.

Um comentário:

Camila Barbosa disse...

bonito pra caraaalho!!
MUUITO MESMO!
pena que é tão triste