Mih – ele pensou. – Ele sempre soubera o seu nome, ainda que
muitas vezes a escrevesse por metáforas mais rebuscadas. Mih. Aquele trecho de
nome. Uma interjeição capaz de despertas tantos sentimentos. Pedaço
carinhosamente retirado de Camila. Pedaço claro, porque Camila era um universo.
Um sem numero de contradições e poesia. Uma complexidade indescritível para as
melhores palavras. Ele sabia que Camila era demais. Grande demais, séria
demais. Mih. Um pequeno fonema. Algo que seus parcos vocábulos tivessem mais
chance de descrever. Mih. Ele preferia assim. Talvez ela também.
Ele fechou os olhos e a visualizou mais uma vez. Uma
criatura pequena, de cabelos negros e pele alva. Imaginou as lentes, as roupas,
o all star que, quem sabe ela gostasse de usar. Sua mente chegou mais perto.
Lembrou de um cheiro perdido no tempo. De palavras que ela poderia dizer. Do
som de uma voz. Pensou se ela seria real. Pensou se ela ainda seria real. E por
fim, pensou se algum dia ela foi real.
E quanto mais pensava nela, mais difícil era se concentrar
em sua imagem. Havia algo de diferente nela. Algo que conferia a ela uma
particularidade única, acima do que ele podia imaginar. Ela era mais viva que
seus conceitos. Mais viva que suas idéias. E, por ser mais do que era capaz de
imaginar, logo, até mesmo as imagens que construíra dela escapavam de seus
olhos e não havia nada que ele pudesse fazer.
Ele pensou em procura-la. Em tê-la. Em escrevê-la. Como se o
fato de colocar aquela existência em palavras, como se descreve-la fosse, de
alguma forma, prende-la aquelas palavras. Mas era inútil. Ela tinha suas próprias
palavras. Sua própria vontade. Ela fugiria dele. Sempre fugia. As vezes ficava
meses sem o procurar. As vezes era sua própria respiração. As vezes o fazia brigar
consigo mesmo.
Ainda assim, saber disso não mudava nada. Ele achou, em uma
das muitas vezes que pensara sobre o assunto, que em outra vida eles seriam
como planetas a dançar envoltos em suas orbitas, entrelaçados na vastidão do
espaço, condenados a nunca colidir. Era triste, mas de alguma forma gostava
daquela metáfora. Gostava também da idéia de um dia colidirem de fato. Pensou
na poesia de tudo aquilo. Sabia que ela gostava de poesia. Talvez escrevesse
aquilo para ela um dia. Talvez numa tarde preguiçosa. Talvez declamasse em um
jantar romântico. Talvez mostrasse o guardanapo rabiscado, prova do primeiro esboço,
guardado com carinho entre as paginas de um livro sobre solidão e lhe dissesse
o quanto aquele pequeno e frágil pedaço de papel tinha sido importante para ele
tantos anos atrás.
E enquanto pensava em todas as coisas que queria fazer se
ela ficasse, mais uma vez, ela decidiu fugir. Partir dançando com as folhas de um
vendaval. Ter aquela existência leve que ela tanto clamava gostar. Partir. Ir.
Como em um sonho, ambos sabiam que eventualmente o desfecho se apresentaria em
forma de adeus. Mas ambos também sabiam que ele não poderia simplesmente deixa-la
ir. Ou pelo menos ele sabia. Sabia que ainda não aprendera a ama-la livre.
Sabia que era um erro tentar segura-la, mas sentia, e isso talvez fosse a pior
coisa, que não poderia não lutar.
E então, como tantas outras vezes no passado, ele se sentou
em frente à maquina de escrever e a alimentou com uma folha de papel. O
sentimento era familiar. Os sons ecoavam em sua mente como os antigos risos da infância.
Uma breve censura passou em seus pensamentos... Ele tinha prometido a si mesmo
não mais fazer esse tipo de coisa. Ainda assim ele estava ali, na frente da
máquina, inexorável, como o movimento da vida que segue independente das condições
daquele que vive. Talvez precisasse escrever, como precisava respirar. Talvez
só fosse cabeça dura demais para parar. Ou só precisasse dela. Mas ela fugiria.
Fugiria com toda a vida, todas as palavras, toda a coleção de defeitos que se
encaixavam tão bem. Ela fugiria com aquela adorável cegueira que a impedia de
ver tudo que existia de bom, em si, nele, num –possível? – ficar.
Mih, ele escreveu enquanto ela partia. Mih... E pensou que
talvez devesse terminar a frase ali mesmo. Com reticencias. Talvez...
Um comentário:
Havia me esquecido desse, mas é tão real.
Mih
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