1 de mai. de 2010

Antes de dormir

E enquanto eu velava seu sono todos os caminhos errados pareciam certos.

E os fantasmas do meu armário passavam, um por um, cada um com uma memória, cada um com uma dor, refazendo seus passos, seus gestos, e desaparecendo no batente da porta. E de cada poro vazava uma lembrança. E de cada poro vazava uma gota de sangue. As promessas se desfaziam no ar e os anos corriam velozes.

E enquanto eu sentia os movimentos sôfregos do seu corpo sob o meu e você mordia suavemente seu lábio reprimindo os gemidos de cada nova descoberta as velhas cicatrizes sumiam aos poucos. As antigas ilusões estilhaçadas voltavam a tomar forma. A cada sorriso, a cada beijo, sentimentos mortos tornavam a florescer. A cada suspiro a nevoa cinza se dissipava. A cada olhar... Ah, a cada olhar... Com todo o peso do céu as muralhas caiam e as defesas ruíam no mais profundo silencio.

E enquanto eu recebia o calor do seu hálito e aninhava seu corpo nu no meu peito um vazio avassalador me tomava, como o medo de pular de um precipício, como ser jogado de um avião em movimento sem direito a para quedas. Qualquer medo ou experiência perdiam a validade enquanto seus sussurros doces me esvaziavam, me purificavam. Não havia mais o que esconder. Não há. Olho mais uma vez para o penhasco. O maior que já vi. Sorrio uma ultima vez para meus fantasmas e, num momento de coragem monumental me atiro, entrego, confio e espero que teus ventos façam minhas asas enferrujadas voarem pela primeira vez.

E enquanto eu percebo que não sou mais meu, apago a luz e beijo sua testa. Não tem mais jeito. Então sussurro em teu ouvido e puxo um pedaço do cobertor.



Boa noite meu amor...